quinta-feira, 26 de maio de 2011

Da escatologia individual - intermediária - coletiva e purgatório

De acordo com a fé da Igreja, podemos distinguir uma escatologia individual, uma escatologia coletiva e uma escatologia intermediária[1]. A escatologia individual trata do que se dá com o Homem quando termina sua vida neste mundo. Com a morte do Homem, dá-se o início da escatologia individual. "A Igreja afirma a sobrevivência e a subsistência, depois da morte, do elemento espiritual, dotado de consciência e de vontade, de tal modo que subsista o 'eu humano', ainda que temporariamente privado do complemento do próprio corpo"[2]. Esse elemento, a Tradição da Igreja o designa por alma. Bento XII, com a Constituição Benedictus Deus de 1336[3], declarou que, imediatamente depois da morte, os justos, se não necessitarem da purificação do purgatório, gozam da visão face-a-face, mesmo carecendo do complemento do corpo ressuscitado. Mas, a fé da Igreja sustenta com vigor a ressurreição da carne: "...o estado de sobrevivência da alma depois da morte não é definitivo nem ontologicamente mais alto, mas 'intermédio' e transitório, e ordenado, em último termo, para a ressurreição"[4]. A ressurreição da carne é uma doutrina especificamente cristã e porta em si um selo contra todo dualismo que considera a matéria como algo mau em si. A matéria faz parte da nossa história e, como tal, será também glorificada. Ademais, a doutrina da ressurreição afirma muito claramente a seriedade das realidades terrestres, uma vez que o corpo com o qual caminhamos verá a glória e os atos deliberados desta vida ecoarão na eternidade. Isso nos leva a empenhar nossa liberdade, desde já, cooperando com a Graça, para que o Reino se manifeste o mais possível neste mundo, até que atinja sua plenitude no outro.


O purgatório, outra realidade afirmada pela fé da Igreja, é o estado provisório daqueles que, fundamentalmente, partiram desta vida orientados para Deus, mas com resquícios ainda do Homem velho. Neste estado, a alma se purifica no amor de Deus, para se conformar plenamente a Cristo e abrir-se sem empecilho algum à Beleza infinita de Deus.


Essas afirmações nos levam a dizer que há um estado intermediário entre a escatologia individual, que começa logo após a morte, e a coletiva, que se dará por ocasião da consumação final do plano de Deus, ocasião em que a matéria também participará, de modo novo e inusitado, da Glória e Beleza divinas, e cada alma será dotada do complemento de seu corpo transfigurado, à semelhança do corpo glorioso de Jesus ressuscitado.


A fé da Igreja afirma ainda a real possibilidade da frustração definitiva da liberdade humana. Se se quer levar a sério a liberdade humana, deve-se dizer que ela pode ser capaz de recusar a participação na vida divina oferecida por Deus. A liberdade que recusa Deus, perde-o, e tal perda, que é a perda do único Bem e Beleza que não deveríamos perder, constitui a essência daquilo que chamamos de inferno. O inferno, pois, deve-se à liberdade que se recusa participar da vida de Deus em Cristo. É a fealdade por excelência, pois consiste na negação do que o Homem, por graça de Deus, deveria ser; negação da sua perfeita e sobrenatural realização.


Enfim, a mensagem da escatologia cristã dá ao coração humano uma perspectiva fundamentalmente otimista, pois nos dá a conhecer que não estamos sozinhos em busca da beleza. A Beleza em si, Deus, existe e é, não só o termo para o qual caminhamos, mas o principal promotor e garante de nosso sucesso no percurso, pois que, com amor, firmeza e suavidade, nos conduz para a sua própria intimidade, em que o dinamismo eterno da Beleza perfaz o infinito gáudio da vida divina. A Beleza infinita chama-nos a, desse gáudio infinito, sermos partícipes.

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[1] Cf. COLLANTES, Justo. A Fé Católica. Rio de Janeiro: Lumen Christi, c. X, p. 1166. Citado abaixo como FC.

[2] FC, n. 0.066.

[3] Cf. FC, n. 0.016ss.

[4] COMISSÃO INTERNACIONAL DE TEOLOGIA. Esperança cristã na ressurreição. Algumas questões atuais de escatologia. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 35.



Autor: Padre Elílio de Faria Matos Júnior
Fonte: http://padreelilio.blogspot.com/2009/08/escatologia-individial-intermediaria-e.html

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